Quando se fala em África, um continente inteiro se descortina aos nossos olhos. Gigante, vibrante, colorido e jovem, apesar de seus enormes desafios. Um verdadeiro mosaico se apresenta. Chegando mais perto, podemos perceber a diversidade e complexidade dessa região.
Recentemente, tive o privilégio de participar do Fórum Brasil- África, em São Paulo, promovido pelo Instituto Brasil- África.
Houve riquíssimos debates sobre negócios e oportunidades entre nosso país e o continente africano. Os paineis de debate e troca de experiências abordaram diversos temas como: dificuldades de acesso a ambos os mercados, Parcerias Público-Privadas (PPP’s) e investimentos em infraestrutura, problemas logísticos (poucas opções de voo intra-continente e rumo ao Brasil), turismo, a produção halal no Brasil, possibilidades de projetos conjuntos na área de energia entre outros.
Existe o projeto de se implementar a Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA), que, uma vez consolidado, será a maior área de livre comércio regional, pois poderá reunir mais de 1,4 bilhão de pessoas e uma movimentação de aproximadamente US$ 7 trilhões até 2035, em termos de PIB conjunto. O Diretor de Risco do Afreximbank (Banco Africano de Exportação e Importação), Elias Kagumya, falou da necessidade de facilitar os processos de aprovação entre os países do bloco, incluindo a concessão de vistos. Pontuou, ainda, que “os objetivos são nobres e as oportunidades são imensas”.
O presidente da Câmara de Comércio África-Sudeste Asiático participou desse debate e afirmou que ao Brasil cabe liderar esse processo de incrementar esse relacionamento, seja no agronegócio (Embrapa), ou na área de aviação civil (Embraer). Paulo Gomes citou a necessidade de desenvolvimento da agricultura em vários países como o know-how para o cultivo da soja e a falta de grãos como o arroz. A Nigéria, por exemplo, com seus 218 milhões de habitantes, precisa importar arroz, segundo Gomes.
Ainda sobre agricultura e a destacada performance do Brasil, liderando produtividade em vários itens agrícolas, o ex- Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, salientou a importância de políticas de incentivo da transferência de tecnologia via cooperativismo para desenvolver o cerrado na África. Oseyemi Akinbamijo, Diretor do Fórum para Pesquisa Agrícola na África, relembrou um programa de produção de alimentos no Cerrado, (que guarda similaridades com as savanas), criado há décadas atrás, pelo ex-Ministro Allyson Paolinelli, afirmando que “o Brasil continua sendo uma inspiração, precisamos aprender com seu país como ganhar a guerra contra a insegurança alimentar”, concluiu.
A China é hoje a maior investidora em vários países africanos. “Nós não vemos muitos brasileiros investindo no continente”, lamentou Zemedeneh Negatu, do fundo global Fairfax.
São inúmeras oportunidades a serem exploradas em cada relato apresentado, vindo de pessoas de diferentes áreas. Há a sensação de que a hora é agora, a vontade de fazer acontecer é patente em cada manifestação do Encontro, tanto no palco, quanto na plateia.
Foi interessante conhecer um pouco do mercado halal (que significa permitido em árabe), atendendo a ¼ da população mundial muçulmana, segundo Silvana Scheffel, diretora de marketing da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Somente na África, a população islâmica soma aproximadamente 45%.
O painel que tratou do empoderamento econômico feminino como motor do comércio mundial incitou excelentes e necessárias reflexões em toda a audiência. Com a premissa do Banco Mundial trazida pela organização do Fórum de que o PIB per capita de longo prazo (em todos os países) seria quase 20% mais elevado, se as lacunas de emprego entre os gêneros fossem eliminadas. Os ganhos econômicos seriam da ordem de 5 a 6 bilhões de dólares, se as mulheres iniciassem e expandissem novos negócios ao mesmo ritmo que os homens. A empresária brasileira, Ana Lúcia Bastos Mota, trouxe sua experiência de comandar uma grande empresa no ramo de cerâmicas e porcelanatos, após a morte do marido e provou com sua trajetória que é possível administrar bem um negócio no Brasil. Hoje, tem a felicidade de vender seus produtos em vários países, como Estados Unidos, e gostaria de ver seu produto chegar do outro lado do Atlântico. Ela contou sobre a boa experiência que teve no passado nas negociações com alguns países e a receptividade e confiança demonstradas.
A coordenadora-chefe do Compacto lusófono do Banco Africano de Desenvolvimento – BAD, Neima Ferreira, trouxe um quadro da realidade feminina no continente, onde a maioria das mulheres trabalha na agricultura e extrativismo. Ressaltou a importância da educação, formação e treino para uma mudança da realidade atual.
Tivemos o privilégio de conhecer e conversar com inúmeras pessoas vindas da África. Já nas primeiras conversas, fica bem claro o fato de que cada país é único e precisa de um olhar mais atento. São 54 países, realidades distintas, diversos idiomas e, claro, com vários problemas comuns. A Nigéria, maior população da África hoje, é diferente de Zâmbia ou de Angola.
O ano de 2024 será o “Ano da África”, disse o Assessor Especial da Presidência da República e ex-Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, de quem tive a sorte de ser aluna no curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
Brasil e África tem em comum um passado de colonização europeia e uma necessidade de entender, digerir e partir para a escrita de um novo capítulo de nossas Histórias. Partindo dessas experiências conjuntas e da vontade de nos conectar, essa relação pode e tende a crescer e florescer.
*Carla Reis é especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília- UnB e Diretora do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia.