“Creio que a harmonização do jurídico com o econômico seria, no Brasil de hoje, uma das formas de resgatar o ideário de San Tiago Dantas. A racionalidade econômica, a segurança requerida pelo investidor quando se discute um investimento de maturação mais demorada, a afirmação do contrato como instrumento eficaz de minimização ou neutralização de riscos, a previsibilidade das decisões judiciais e sua exteriorização em tempo razoável, a construção de fontes alternativas de financiamento da produção, passando por um mercado de capitais robusto e democratizado, tudo isso, enfim, depende da capacidade de darmos inteligência jurídica às relações econômicas.
Na verdade, precisamos de uma corrente nova de pensamento, que tenha por objetivo a capacitação do profissional do direito, a sua reinserção nos centro decisórios, compartilhando responsabilidades no equacionamento dos problemas econômicos e sociais que surgem cada dia.
O resgate de San Tiago Dantas significa, a meu ver, o empenho em resolver essa equação, construir esse equilíbrio, buscar incessantemente o aperfeiçoamento do direito como instrumento de regulação das relações humanas.”
Fonte: Atualidade de San Tiago Dantas
São Paulo: Lettera.doc, 2007
Página: 78
“No dia 6 de setembro de 1964, San Tiago Dantas falecia com 52 anos. Dedicou os últimos meses de sua vida, enquanto o estado de saúde lhe permitiu, à tentativa de grande esforço de conciliação nacional, com vistas ao restabelecimento do Estado de Direito.
Nesse momento, com em toda a sua vida, a cultura jurídica como elemento fundamental de convivência social, e o ensino jurídico como forma de alcançar uma cultura jurídica superior, representaram uma constante em seu pensamento. De 1940, momento em que assume uma cátedra numa faculdade de direito, a 1962, quando pronuncia a sua ultima oração relativa ao direito, isto é, durante vinte e dois anos, não cessou a sua pregação em favor do direito e do ensino jurídico compreendendo o direito como instrumento fundamental no processo de renovação das estruturas econômicas e sociais.”
Fonte: San Tiago Dantas – Um Seminário na Universidade de Brasília(…) com serenidade e convicção, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, representou e representa para o nosso País símbolo moderno de homem público, no sentido mais amplo da palavra, pois não via a esfera pública apenas como espaço para o exercício do poder, mas como ponto de encontro e como síntese da necessidade de a sociedade, de os cidadãos representarem suas aspirações no exercício do poder e do governo.
Tem plena atualidade seu pensamento sobre a política externa brasileira. O exame, mesmo que superficial, dos pronunciamentos que fez nessa Casa quando da sua renúncia ao mandato parlamentar para assumir a função de Delegado Permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas – o que não se concretizou, pela renúncia do Presidente Jânio Quadros –, das suas prestações de contas da Conferência de Punta del Leste ou da Conferência de Santiago, indicam a plena atualidade das suas idéias, do seu pensamento sobre a vocação do Brasil de buscar espaço autônomo dentro da tradição que San Tiago Dantas via como a continuidade da construção da nossa experiência como império e como república junto aos nossos vizinhos da America Latina e junto a todo o mundo.”
Fonte: Homenagem a San Tiago Dantas Câmara dos Deputados.“Grande expositor, inteligência incomum, parlamentar brilhante e professor inspirado, San Tiago Dantas, que morreu há 40 anos, foi uma da figuras mais expressivas da cultura brasileira, no século 20. (…)
Como diplomata, San Tiago Dantas, que acumulou uma legião de admiradores e amigos, teve uma atuação altamente representativa, ressaltando-se o seu trabalho no sentido de reatar nossas relações diplomáticas com a União Soviética, quando Vasco Leitão da Cunha foi embaixador em Moscou.”
Fonte: Atualidade de San Tiago Dantas“… o modo pelo qual o discurso de San Tiago Dantas, tão na frente do seu momento, já que portava uma nova articulação categorial brasileira para além, dava ao ator mais do que uma nova voz. A nova impostação era inquietantemente profética. Antecipava o exercício de uma racionalidade que era pré-tecnocrática e que assumia, pela primeira vez, o direito de chegar ao poder por uma magistratura da convicção.”
Fonte: San Tiago Dantas – Um Seminário na Universidade de Brasília“San Tiago Dantas foi um político sintonizado com o seu tempo. Em seus discursos, sobressaía a preocupação com a manutenção da paz, com os males do subdesenvolvimento e os desníveis sociais dele decorrentes. Reivindicou de maneira constante, para o Brasil, uma participação ativa nas decisões internacionais. Possuía uma percepção incomum de que a ação externa do Brasil, além dos seus méritos próprios no plano internacional, guardava também uma capacidade de reverberação interna, auxiliando mudanças sociais tão necessárias ao país. Mudanças que, na época, geravam muitas expectativas. San Tiago não só deu continuidade à política de Jânio Quadros / Afonso Arinos, como deu forma à Política Externa Independente.”
Fonte: Atualidade de San Tiago Dantas“Poucos homens terei conhecido que depositassem tanta fé na razão como instrumento para remover obstáculos. Ele confiava que sempre lograria o que buscava argumentando. Estava seguro de que os objetivos da política que lhe incumbia executar não conflitavam com os interesses da comunidade financeira internacional. As iniciativas irracionais que brotavam aqui e ali na cena política brasileira, ele as via como peripécias, e tendia a minimizar o seu significado. Impacientava-se quando alguém dava muita importância ao secundário, perdendo de vista o essencial.”
Fonte: Celso Furtado, em A Fantasia DesfeitaSão Paulo: Editora Paz e Terra, 2a ediçãoPágina: 163“Conheci San Tiago em Paris. Formamos logo um grupo. E não sei por que resolvemos que naquela noite iríamos percorrer os night-clubs de Paris. O que fizemos até o amanhecer. Onde os violinos cantavam finos demais e perto demais de nós, saíamos. Mas acontece que em noite longa bebe-se. E eu não sei beber. Se bebo, ou me dá sono ou choro um pouco. Mas se continuo a beber, começo a ficar brilhante, a dizer coisas. E não sei o que é pior. Nessa noite aconteceram ambas. San Tiago, se era de chorar, não demonstrava. Sua Lucidez na verdade era um grande controle e não frieza.(…)
Até que começou a madrugar, a quase amanhecer devagar. Ninguém tinha sono mas era a hora. Fomos andando. E San Tiago descobriu nas esquinas de Paris as primeiras vendedoras de flores. Não posso dizer quantas rosas ele comprou para mim. Sei que eu andava pelas ruas sem poder carregar tantas, e à medida que eu andava as rosas caiam pelo chão. Se jamais fui bonita foi naquele amanhecer de Paris com rosas caindo de meus braços plenos. E um homem que enfeita uma mulher não tem lucidez fria.(…)
Passou-se o tempo. Quando ele ia a Washington dava-me a alegria de me telefonar na mesma hora. Jantava lá em casa, ficávamos conversando até mais de três horas da madrugada.”
Fonte: A descoberta do mundo – Clarice Lispector
Rio de Janeiro: Rocco, 1999
Páginas: 65-66
“Não havia no Brasil, nome mais ilustre do que este. Francisco Clementino de San Tiago Dantas foi uma personalidade excepcional. Era professor, antes de tudo: professor por vocação natural. Lecionou Direito Civil na Faculdade Nacional da Universidade do Brasil (depois chamada Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ). Lecionou Direito Romano na Pontifica Universidade Católica (PUC) do Rio e na Faculdade de Direito da Universidade de Paris, no Panthéon da Sorbonne. Suas aulas causavam deslumbramento. Eram simples, de clareza meridiana, e fascinavam pela beleza do discurso. Eram preleções de uma inteligência lúcida, tranqüila, segura de sua ciência – de um coração apaixonado por seus alunos. Os estudantes se tornavam seus discípulos e seguidores.
Era advogado. Foi um advogado notabilíssimo. Foi o advogado mais célebre, em seu tempo, nas áreas de Direito Civil e do Direito Comercial. Ele inaugurou, em nosso meio, um gênero novo de advogado: o advogado específico da empresa. Propalava-se que seu escritório chegou a ter “um faturamento milionário”.
Escreveu dez livros. Sua obra mais conhecida é Conflito de vizinhança. Publicou uma infinidade de trabalhos em jornais e revistas, nacionais e estrangeiros.
Sua cultura parecia não ter limites. Ele surpreendia as pessoas com a revelação, não só de sabedoria na interpretação das leis, mas também da multifária messe de seus conhecimentos especializados. De fato, em muitas oportunidades, ele mostrou ser mestre, inesperadamente, em áreas particulares e técnicas de alta indagação. Por exemplo, sendo apenas doutor em Direito, era técnico inigualável em finanças públicas.
Mas, a meu ver, o vigor extraordinário e o brilho de sua cultura provinham de um fato primordial: San Tiago Dantas era filósofo. Era um pensador, familiarizado com a Metafísica, a Cosmologia, a Ética, a Lógica. Lera gregos. Lera Santo Agostinho. Enfronhava-se na Escolástica. Estudara os modernos, desde Descartes a Spinoza. Era um filósofo jurista, um jurista filósofo. Nisto é que residia a causa de sua costumeira advertência: “Para qualquer ramo do saber, a estruturação filosófica é imprescindível.”
Era amigo dos poetas. Encontrava-se freqüentemente com Augusto Frederico Schmidt, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Geraldo Melo Mourão. Eu me perguntava a mim mesmo sobre se ele próprio não seria, em segredo, autor de poemas ocultos. Nos atos comuns da vida, San Tiago Dantas manifestava pelo próximo, rico ou pobre, um respeito sem senão. Famoso, seu charme individual. Dizia-se que seu poder de sedução era irresistível.”
Fonte: A folha dobrada: lembranças de um estudante. Goffredo Telles Junior
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999
Paginas: 764-765
“Conheci San Tiago quando aluno do primeiro ano de Direito da PUC-RJ. Ele Era titular da cadeira de Direito Romano, que fazia parte do currículo do primeiro ano. Dirigi-me à primeira aula de San Tiago imaginando que iria me deparar com uma das disciplinas mais aborrecidas que se poderia conceber, armando-me para isso de extraordinária paciência, porque era um obstáculo a transpor, se eu quisesse terminar corretamente meu curso.
Para minha surpresa, a aula de San Tiago foi uma coisa absolutamente extraordinária e inesquecível. Não se tratava apenas daquele brilho admirável, daquela fluência da palavra, daquela adequação entre o verbo e a idéia, mas do fato de que San Tiago, em vez de começar a enumerar os artigos do Direito Romano, principiou por mostrar o que era romanidade e como, para aquela cultura e para a sociedade que ela regulava, o Direito Romano constituía as instituições configuradoras da possibilidade daquela romanidade funcionar.”
Fonte: Atualidade de San Tiago Dantas
São Paulo: Lettera.doc, 2007
Página: 26
“Foi imensa a sedução intelectual que San Tiago Dantas exerceu sobre minha geração. Talvez tenha sido o melhor cérebro daquela época: polimorfo sem superficialidade, luminoso sem eclipse, acadêmico e contudo operacional, capaz do rigor da ciência e da luminosidade das artes.”
Fonte: A lanterna na popa: memórias – Roberto Campos.“Demorou quase meio século para voltar atrás da malfadada decisão da reunião de Punta del Este de janeiro de 1962. O episódio me trouxe à memória o início de minha carreira, quando eu era em Brasília oficial de gabinete do ministro San Tiago Dantas, principal inspirador da resistência à pressão americana na reunião.
San Tiago foi a inteligência mais poderosa que conheci, capaz de iluminar as questões mais obscuras e prever todos os desdobramentos prováveis de uma ação. Percebeu que o isolamento e as sanções contra Castro apresentavam o mais grave defeito de qualquer política, a de ser contraproducente, tornando inevitável o que desejava evitar: a consolidação da influência soviética.
Não estive em Punta del Este, mas guardo no fundo de um baú perdido as anotações do minucioso relato que ouvi do embaixador Gibson Barboza, chefe de gabinete do chanceler.
Nele se descrevem as hesitações do pequeno grupo que nos acompanhou na resistência (México, Argentina, Peru, poucos mais). Sempre clarividente, San Tiago anteviu que, na hora da verdade, o presidente Goulart e o primeiro-ministro cederiam às pressões americanas. No momento em que soasse o fatídico telefonema do Brasil, combinou-se que o ministro estivesse \”inencontrável\”. Do contrário, ele se demitiria e passaria a chefia da delegação.
Tudo se passou como ele previra. Foi desse modo que votamos e fomos derrotados, sem perder a razão nem a honra. San Tiago não desistiu e continuou a insistir na sua proposta de \”finlandização\” de Cuba, isto é, um acordo pelo qual os americanos aceitariam a opção marxista de Havana em troca da neutralização da ilha nas questões políticas e estratégicas da Guerra Fria. Da mesma forma que ocorrera com a Finlândia em relação à URSS de Stálin após a guerra.
Nos livros de auxiliares de Kennedy, menciona-se o interesse que a proposta despertou. A fórmula de San Tiago teria poupado ao mundo a crise dos mísseis de outubro de 1962, o mais perto que se chegou do aniquilamento nuclear durante a Guerra Fria. Pena que a ideia fosse racional demais para o estágio de amadurecimento de americanos e de cubanos. A continuação do contraproducente bloqueio americano e a reação de Cuba à decisão de Honduras mostram que o amadurecimento ainda não se completou.\”
Fonte: Rubens Ricupero – Folha de São Paulo“Guardo, porém, do convívio com San Tiago Dantas a recordação inextinguível de um político de méritos singulares. Distinguia-se de todos os demais pelo lastro de sua cultura cuidadosamente amealhada, por uma inteligência que espargia luminosidades desnorteantes, por um dom de servir, que fazia dele o estadista na mais ampla acepção do termo. Se política é destino, esse grande brasileiro o enfrentou com a serenidade de um filósofo, a bravura de um combatente e a resignação das almas fortes e sofridas.(…)
Granjeou a sua merecida fortuna no trabalho honesto e diuturno, que lhe propiciava vultosas recompensas pecuniárias, em decorrência de uma infatigável e triunfante atividade profissional. A sua vocação incoercível era, porém, para a cátedra universitária. Ensinar, comunicar os conhecimentos que acumulava, esbanjar os tesouros do seu imenso talento constituía, para ele, uma imperiosa imposição de sua formação espiritual.(…)
Se a sua vida pública foi de curta duração, pela crueldade do destino que lhe encurtou a nobre e fecunda existência, ganhou em intensidade o que perdeu em extensão e foi tão árdua, profunda e abnegadamente vivida, que ficará nos nossos anais como um hiato de luz, trabalho, sensibilidade, imaginação e inteligência, como raras vezes se terá visto igual e jamais será superado. Ele foi o estadista por excelência. E se o que caracteriza o homem de estado é a visão de futuro, a capacidade de criá-lo, pelo dom divinatório de suas intuições e a força de suas convicções, poucos como San Tiago Dantas souberam sê-lo, no seu afã de tudo rever e modificar, destruir e edificar, rasgando com as inspirações do seu gênio, as perspectivas criadoras de novos rumos para a Nação, orientados pela força de sua incomparável personalidade.(…)
Intelectual, fazia da inteligência um instrumento de sua atividade criadora. Os posicionamentos esnobes, muito em voga entre os homens de espírito, não o atraiam e, muito menos, aquele ceticismo vago e distante em que se esterilizam alguns dos nossos melhores talentos. Era um homem de fé, de frio e calculado otimismo no homem brasileiro e crente ardoroso na materialização de suas potencialidades.”
Fonte: San Tiago Dantas – Um Seminário na Universidade de Brasília“O outro importante representante da esquerda moderada era San Tiago Dantas, o novo Ministro da Fazenda. San Tiago havia acumulado uma fortuna como grande advogado e, como membro da elite financeira e intelectual do Brasil, tentava criar uma ponte entre as novas forças políticas descontroladas e indisciplinadas na esquerda (sobre as quais Jango tinha um controle inseguro) e o antigo poder estabelecido. Dotado de brilhante inteligência e inesgotável engenhosidade nas negociações políticas, San Tiago havia sido rejeitado, em julho de 1962, pela Câmara dos Deputados, como Primeiro Ministro de Jango. Jovem líder intelectual integralista, na década de 30, e agora membro moderado da ala esquerda do PTB, estava determinado a levar adiante enérgica política de estabilização como pré-requisito para um maior desenvolvimento econômico.(…)
Intelectualmente, San Tiago prestava-se de modo admirável para representar a opinião do centro e da esquerda moderada. Pessoalmente, no entanto, faltava-lhe a base política, embora sobrassem os dotes que poderiam tê-lo feito um líder popular ou, pelo menos, um manipulador bem sucedido de outros políticos.”
Fonte: Brasil: de Getúlio a Castelo – Thomas Skidmore.© 2015 – 2019 Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia
SAUS, Quadra 1, Bloco N, Ed. Terra Brasilis, Sala 1203, Asa Sul – Brasilia – DF – 70070-010
Fone: (61) 3321-9991